Pelo que luta o proletariado na Colômbia
Traducido por Tridni Valka
Nas últimas semanas, a classe trabalhadora colombiana enfrentou com firmeza os novos ataques da burguesia, cristalizados dessa última vez em uma reforma fiscal do governo que busca incrementar a extração de mais-valia por novos caminhos. O proletariado colombiano vem sofrendo agressões contínuas por parte da burguesia, que se expressam em uma deterioração progressiva das condições de vida, fortes desigualdades sociais e o emprego contundente da violência (militar e paramilitar) contra a mobilização operária e campesina. Os acordos de paz com a guerrilha representaram simplesmente um mecanismo de integração de seus aparatos políticos contrarrevolucionários nas instituições democráticas do capital, tendo-se estendido por todo o país os ajustes de contas contra os líderes dos protestos populares, enquanto que a burguesia latifundiária relança sua ofensiva contra o proletariado rural. As circunstâncias geradas pela nova pandemia do capital, o covid-19, agravaram ainda mais a situação em questão de desemprego, miséria e maiores impostos. Em realidade, essa reforma fiscal foi a gota que encheu o vaso para que se produzisse um estouro social de enormes proporções.
Porém, nos equivocaríamos se tentássemos compreender este estouro social em termos exclusivamente nacionais. Pelo contrário. A resposta da classe trabalhadora colombiana aos planos de fome e miséria de sua burguesia é parte da recomposição do proletariado mundial (e latino-americano), em sua luta para sobreviver a um capitalismo que esgotou suas possibilidades de desenvolvimento orgânico. A radicalidade das formas de luta nas ruas das principais cidades colombianas é uma resposta desde baixo a um capital que é incapaz de articular o valor como relação social, que avança sob expressões cada vez mais fictícias, extraindo mais-valia através de todos os tipos de mecanismos imagináveis e através do uso da força e da violência de maneira crescente.
No nível mundial, estamos observando como o proletariado vem enfrentando-se com o capital desde os começos da crise de 2008. Em princípio, como ocorreu com as revoluções árabes de 2011 e o 15-M na Espanha, com muitas ilusões democráticas e cidadanistas, de regeneração do sistema. Nessas mobilizações sociais, a classe média e suas guerras culturais pós-modernas desempenhavam um papel hegemônico. Porém, com o passar do tempo, a classe trabalhadora radicalizou suas lutas, enfrentando mais diretamente as condições materiais que impõe os planos de exploração do capital. Em 2019, os estouros sociais no Chile, que teve como gatilho a subida dos preços do transporte urbano, e no Equador, que também foi desencadeado por um agressivo ajuste fiscal, representaram uma mudança de cenário na luta de classes no subcontinente latino-americano. Abriram uma fase de maior radicalização nas lutas operárias, produzindo-se um enfrentamento mais direto com o capital e seus governos. O que está acontecendo na Colômbia nas últimas semanas não pode ser entendido sem fazer alusão a esse marco mais global de maior radicalização social.
Como aconteceu anteriormente no Chile e no Equador, o proletariado colombiano mostrou-se de enorme valentia e radicalidade nas ruas, enfrentando inclusive grupos paramilitares que dispararam fogo real, sem contemplações, nos manifestantes. Em Cali, epicentro dos protestos, as comunas (os bairros) da periferia da cidade organizaram-se coletivamente não somente para enfrentar a violência dos corpos repressivos. Além disso, têm tido de organizar o fornecimento de viveres, a proteção frente aos agentes infiltrados, o transporte coletivo, o cuidado dos feridos, etc., já que o governo tentou fazê-los renderem-se por fome e cancelamento dos serviços básicos. A resposta dessas comunas, como Puerto Resistencia, é uma amostra da capacidade de nossa classe para construir relações sociais à margem das impostas pelo capital e seus Estados, onde ao mesmo tempo em que se reorganizam as condições materiais de vida, produz-se uma revolução nos valores e nas relações humanas. O mundo deixa de estar invertido, como acontece no capitalismo, e as necessidades sociais passam a ser prioritárias com respeito a qualquer outro critério (como a acumulação de capital sem limites) nas decisões que as comunas tomam nos usos dos recursos disponíveis e nos esforços que dedicam a alcança-los. Tudo gira, deixa de estar ao contrário. Assim, por exemplo, uma ativista das lutas ambientais, que até então precisava de escolta diante das múltiplas ameaças e assassinatos cometidos pelos paramilitares, agora caminha livre, sem medo, entre seus vizinhos. A mobilização proletária lhe devolveu sua segurança, freou a violência do capital naqueles espaços onde nossa classe impôs sua lógica de vida (frente à lógica de morte do capital).
São vislumbres de uma sociedade nova, são lampejos de comunismo, são os murmúrios, os começos, da constituição revolucionária de uma classe que resiste sucumbir junto com um capitalismo moribundo. O comunismo não surgirá da cabeça de nenhum gênio, nem das diretrizes exógenas de nenhuma vanguarda esclarecida. É um movimento histórico que emana das entranhas da sociedade, que surge no estrondo das lutas do proletariado para garantir suas condições de existência, quando o capital, na sua tentativa desesperada de continuar incrementando seus benefícios, não deixa outra opção à nossa classe que se organizar socialmente de uma maneira alternativa, de modo a garantir suas condições de vida. Certamente, ainda é insuficiente o que estamos vendo nas comunas de Cali ou de Medellín, ou nos bairros de Santigado no Chile, essas novas relações sociais somente podem impor-se à lógica do capital no nível mundial. Porém, sem dúvida, mostram o caminho a seguir, são experiências onde nossa classe vai aprendendo a combater o capitalismo em um plano real, material, não se conformando com as ilusões culturais, democráticas, que lhe são sussurradas pela esquerda pós-moderna.
Porém, como dissemos, estamos no começo de um processo que é extremamente complexo, carregado de perigos. A própria esquerda colombiana, tanto no nível político como sindical, está tentando desviar as lutas para o terreno eleitoral e ao da negociação com o governo, prendendo o proletariado no labirinto tecnocrático das reformas cosméticas de um capital que somente pode oferecer a catástrofe e uma exploração maior. As falsas esperanças da socialdemocracia, expressadas na Colômbia na candidatura presidencial de Gustavo Petro, ou na prefeita de Bogotá Claudia López, representam o maior perigo para nossa classe na sua luta por uma vida melhor. A socialdemocracia, na sua tentativa de gerir a crise do capital, em sua tosca tentativa de construir um capitalismo amável ou inclusivo termina irremediavelmente convertendo-se em mais uma marionete a mais da lógica do valor. Se o capital encontra-se em perigo pela mobilização proletária, sem nenhuma dúvida esses personagens da socialdemocracia colombiana não terão nenhum remorso em atuar com a violência e a mesma contundência com as quais hoje atua o presidente Iván Duque. Na Colômbia, como no resto do mundo, o proletariado revolucionário buscará sua via independente, como Karl Marx avisou no Manifesto Comunista de 1848. O proletariado é a única classe social que dispõe das condições materiais para construir uma sociedade por fora da lógica do valor. É necessário combater com todas as energias a socialdemocracia, as ilusões democráticas que prometem uma gestão benévola do capital, as correntes oportunistas que pretendem colocar nossa classe no dilema de eleger (com especial empenho no terreno eleitoral) entre as formas mais progressistas e mais reacionárias do capital. É uma eleição falsa. Do capital em suas diferentes formas somente podemos esperar miséria e desolação. Os trabalhadores e as trabalhadoras das comunas colombianas indicam-nos um caminho alternativo, real: o da autodeterminação proletária através da luta de classes.